Edmond Dantès era um simples marinheiro que pela inveja e egoísmo de seus conhecidos, tanto pelo seu talento como marinheiro quanto pela belíssima Mercèdes que era sua noiva, perdeu tudo. Danglars o despreza por tornar-se capitão da embarcação Pharaó; Fernand o faz, por ter Dantès o amor da jovem Mercèdes; Caderousse é simplesmente imbuído de inveja por ver crescer Dantès; Villefort o condena à prisão para proteger ao próprio pai, bonapartista em época que tal era considerada alta traição.
Dantès, jovem e inocente, ignorante de tudo, se deu conta disso apenas depois de muitos anos na Fortaleza de If por intermédio do Abade Faria.
Após ser preso, Dantès entra em desespero, exatamente por não ter qualquer noção do motivo pelo qual foi colocado ali. Passam-se dias e noites e ele reza incessantemente, investiga a própria consciência e memória para passar o tempo e nota sua própria ignorância, quão pequena era sua história de vida, sua coleção de memórias de aprendizados. Quanto mais o tempo passava mais seu espírito era triturado, tentou até o suicídio pela fome, quando ouviu o barulho de escavação, que soubemos depois, era o Abade Faria.
Depois de pequena convivência, vendo Faria dar errado seu primeiro plano de fuga, ambos começam a encontrar-se mais e pede Dantès, ao verificar que o homem que chamavam de louco naquela prisão era na verdade inteligentíssimo, ao Abade que o ensine, já que seria penosa a convivência de homem tão sábio com um ignorante como ele. Faria sabia livros de cor, e depois de passar muito mais tempo na prisão do que Dantès os organizou e aprofundou em seu espírito. E passou assim a ele toda essa fortuna que é o saber, a ciência etc . Por fim, Faria havia desvendado o segredo de uma fortuna escondida e esquecida ao longo das eras, e o confia à Dantès quando beirava sua morte.
Ulteriomente, conseguindo Dantès escapar, após anos na prisão, Dumas nos relata:
"Dantès entrara no castelo de If com o rosto redondo, sorridente e desabrochado de um rapaz feliz, cujos primeiros passos na vida foram fáceis e que vê o futuro como uma continuação natural do passado. Tudo isso mudara muito.
Seu rosto oval se alongara, sua boca sorridente assumira as linhas firmes e inflexíveis que indicam determinação, suas sobrancelhas se haviam arqueado sob uma ruga única, reflexiva; seus olhos achavam-se marcados por uma profunda tristeza, de cujo fundo irrompiam, de tempos em tempos, relâmpagos sinistros, misantropia e ódio; sua pele, afastada por tão longo período da luz do dia e dos raios do sol, estampava aquela opacidade que faz, quando o rosto é emoldurado por cabelos pretos, a beleza aristocrática dos homens do Norte; aquela ciência profunda que aprendera refletia agora, em toda a sua fisionomia, uma aura de segurança inteligente; além disso, embora alto por natureza, adquirira o vigor sólido de um corpo que sempre concentrava as forças em si próprio".
Além de também ser dito o profundo refinamento nos hábitos de Dantès pela convivência com o Abade.
Agora analisemos:
A solidão na Fortaleza de If forçou Dantès a investigar até o mais profundo de seu espírito. E por isso encontra sua própria pequenez. Entre esperança e desespero, entre os desejos de vida e morte, passando pela aflição da perda de todas as coisas que possuía, ele tenta imaginar como seria sonhar com destinos maravilhosos, com histórias fantásticas e belas aventuras, mas torna à derruir vendo que nada disso lhe estava presente, até a imaginação lhe faltava pela incompletude de sua educação.
Beirando o desejo de morte surge o Abade, Dantès reconhece nisso sinal da Divina Providência dando-o mais uma oportunidade, uma afirmação de que sua vida não deveria ainda ter fim.
Pela convivência com o Abade o que antes em Dantès havia se mostrado como consciência de que era ignorante, tomou então consciência de um novo mundo, seus horizontes foram expandidos apenas pelo observar a grande sabedoria que Faria possuía.
Primeiro, Dantès teve destruídas até suas últimas ilusões, toda sombra de seu orgulho foi massacrado dentro da prisão. Mas nasceu nele, por isso, essa consciência de si, de quão pequeno era, essa humildade que poucos possuem. E mesmo durante todo sofrimento Dantès nunca perde sua fé. Cristão até depois do último ponto final do livro. Entendeu em todo momento sua vida que esta era guiada por Deus, e que Ele o havia tomado como um instrumento da Providência para fazer pagar nesse mundo aos homens podres que o haviam condenado. Assim, mesmo depois de completa suas realizações, sua vingança, ora à Deus e pede-o um sinal de que nessa jornada não havia se excedido, de que de fato havia sido um instrumento Divino. E é retornando à Fortaleza de If, vendo tudo quanto passou até aquele dia, que recebe sua resposta. Faria havia escrito um livro dentro da prisão que um dos carcereiros havia guardado, e a primeira frase desse livro deu a Dantès o sinal que precisava.
Segundo, voltando ao centro. Dantès havia sido esvaziado, para ser preenchido pelos sentimentos mais profundamente cristãos, a humildade, que destrói a soberba e o amor-próprio, e a fé, que derruba a desesperança. Sobre os fundamentos da Fé e da Humildade é colocado no espírito de Dantès a profunda ciência que havia Faria adquirido. Ora, essa formação, esse grande conhecimento das matérias científicas e filosóficas, da história e geografia do mundo, etc., atualizou em Dantès um novo “eu”. Quem ele foi e quem se tornou eram homens absolutamente diferentes.
De um pequeno marinheiro ignorante dos saberes básicos e dos males do mundo tornou-se um Nobre, não só em fortuna monetária, mas principalmente em seu espírito. Como bem diz Carpeaux: “O homem é aristocrata quando consegue o equilíbrio -- um equilíbrio homérico -- entre as faculdades físicas e as faculdades espirituais[...]”. Equilíbrio esse muito bem descrito por Dumas no trecho do livro que citei acima. Não só nesse trecho, mas toda idiossincrasia do Conde, durante todo o livro, faz com que todos o vejam, a todo instante, como verdadeiro aristocrata, homem da nobreza mais pura. Eis ai, então, o homem superior.
O homem superior é então aquele que está entregue totalmente a Deus, que cultiva sempre suas virtudes, e tem consciência de seus erros, que não se deixa permanecer na absoluta ignorância e busca adquirir conhecimentos profundos, para realizar, nesse mundo, uma obra dada a si pelo próprio Deus, pois como bem se observa muitas vezes durante o enredo, Dantès, à todo momento, vê-se como que guiado pela Divina Providência, temendo, até o último instante, que pudesse ter se excedido em qualquer parte por sua franqueza humana, que pudesse ter se desviado do planos da Providência. Eis o que penso do Conde, de Dantès, esse homem que de plebeu, de corpo e espírito, tornou-se Nobre por excelência.
Deixo também um pós-escrito: pensei muito na relação do que passou Dantès, desde que perdeu tudo quanto tinha (cargo, pouco dinheiro, mulher, pai e amigos) até adquirir tudo quanto obteve enquanto Conde e a história de Jó, que perdeu tudo quanto tinha, mas nunca perdeu sua fé no Pai, não importando as tentações e dores que o afligissem, e, no fim, teve tudo quanto perdeu muitas vezes mais do que originalmente.
Por Ramon M. Cogo
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