Chegará o dia em que o cumprimento se tornará uma inconveniência. Explico: cá estava eu no mês passado e, avistando um senhor de idade, cuidei de guardar meu mais seivoso e estimado cumprimento. O sujeito vinha sereno, com uma determinação quixotesca e ofegante – era batata.
Assim que salivo herculeamente um bom dia, pasmem, silêncio. Sim, e repito: o mais profundo e fúnebre silêncio. Marcha adiante. De repente, a atmosfera que até então estava radiante e inócua, começa a pesar esmagadoramente três mil jovens Weathers. Não houve nesse período, um pigarreado; uma dispneia; um peido. Nada. Apenas a mais profunda e honesta indiferença.
Parecia que o sujeito vinha carregando outro mundo atrás de si e, assim que transpassou comigo, pude sentir o palpitar do seu coração de areia. Num instante percebi o que estava acontecendo: o septuagenário não visualizou um encontro de duas almas numa calçada. Mas, sim, dois estranhos. Terrivelmente dois estranhos. Confesso que ali, bem naquele momento, latejei em desolação. Eis minha reação…
Parei, fixei a paisagem a minha frente com as pupilas dilatadas. E, levemente olhei para trás, num assombro esquálido – agora pasmem: seus ombros me olhavam de costas, tomando longitude. Não só isso. Digo mais: haviam chinelos, chinelos retumbavam sua fulminante marcha adiante.
Numa austeridade primitiva, sigo em frente. Alguém poderia perguntar: – “não estaria o sujeito desatento?” Exato, exato. Hoje me apego a essa verdade evangélica, não para apagar o desalento, mas porque: ninguém da velha guarda deixaria de ter a pachorra de responder um cumprimento.
O “bom dia”, em épocas não tão distantes, era um reflexo obrigatório. Notem: todos, excepcionalmente todos da belle époque, usavam um chapéu. Sim, o chapéu é o nosso atual símbolo perdido: tirávamos apenas para ir a Missa, ao cemitério ou para cumprimentar pessoas na rua. Em todos os momentos em que tirávamos, era simples e puramente pela veneração. Está aí a grande chave perdida: a nossa veneração inconsciente uns pelos outros – pela vida, pela morte.
Chesterton dizia que, em sua época, a maioria dos homens usavam preto porque estavam de luto. Pois é. Todos estavam de luto pela morte da razão, pelo absoluto abandono ao Logos. Em tempos de iluminismo e “Idade da Razão”, contemplamos o que Gustavo Corção chamava de “obscurantismo”, ou, se preferirem, a “Idade da Burrice”. Não por acaso algumas décadas depois vieram duas guerras mundiais etc., etc.
Divaguei demais e peço desculpas. Eis onde quero chegar: quanto mais o tempo passa, mais as novas gerações carregam uma espécie de indiferença soberana, de insensibilidade maquiavélica.
Quando, enfim, voltarmos a confiar uns nos outros, já será tarde demais. Capaz de soar as trombetas primeiro e Cristo descer. O brasileiro gosta de reservar sua preocupação sempre na véspera de qualquer situação. Mas, quem enxerga, observa uma metástase que, olhando-se à volta, não se vê uma única lâmina para corte. Resta querer sentir e sofrer com a compaixão de um Marmeládov. Os humanos estão acabando.
Parnamirim, Rio grande do Norte, 5 de junho de 2022
Você escreve tão mal que seus textos parecem ter sido escritos pelo Paulo Freire.
ResponderExcluirTenho a impressão de que você nunca leu Paulo Freire.
ExcluirE eu tenho a impressão de que você nunca reparou que é totalmente possível criar um teste as cegas, colocar frases deste texto e de outros do blog para competir com frases aleatórias do Paulo Freire e ninguém saberia dizer qual é qual.
ExcluirExcelente!
ResponderExcluirQuem não gostou, não entendeu! Leia até entender!
ResponderExcluirParabéns! Cada vez melhor!
ResponderExcluirEscreve muito bem,somente os burros não entendem!!!
ResponderExcluirMuito bom, Klaus! E não se preocupe com esses comentários negativos tão vazios; com certeza os autores deles não entenderam uma linha do que está escrito. Mas está maravilhoso. Parabéns!
ResponderExcluirMuito bom o texto. Criticar sem embasamento me parece imaturidade.
ResponderExcluirCada vez se superando mais Klaus! Grande artigo! Parabéns!
ResponderExcluirKlaus amei ! Vc vai longe continue assim
ResponderExcluirEspetáculo! KLAUS!!
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